sábado, 16 de fevereiro de 2013

Se o amor é para os parvos


Se o amor é para os parvos,
 os parvos hão-de ser felizes. Falo-te assim
 porque não me sinto sem culpa e sou o pai
 dos filhos que fiz às próprias dúvidas.
 Se o amor é para os parvos, irei ter com eles,
 tocar-lhes o coração como quem lava as mãos e a alma,
 abraçá-los com os lábios, beijá-los como
 sempre toquei as coisas simples,
 a abelha, a espuma, a prata, o rosmaninho.
 Se o amor é para os parvos, perante eles me dobro
 como perante o vento se dobram as searas
 e não sinto nas pálpebras o remorso
 das noites que por amor passei em claro,
 dos dias que por amor em mim deixei morrer
 sem compreender mais nada: o rouxinol, a pedra,
 o sol, a pétala, o verbo, o rio, o infinito.
 Se o amor é para os parvos, sou parvo, sim, sou parvo,
 um parvo profundo, obstinado parvo
 cujo coração adormeceu diante da lareira do teu corpo,
 alimentando-se da maior de todas as parvoíces:
 o amor feito de fundas incertezas.

E são tantas!

(JOAQUIM PESSOA)
 in O POUCO É PARA ONTEM.


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